Sempre sei, realmente. Só o que eu quis, todo o tempo, o que eu pelejei para achar, era uma coisa só - a inteira - Cujo significado e vislumbrado dela eu vejo que sempre tive. Uma era que: que existe uma receita, a norma dum caminho certo, estreito, de cada uma pessoa viver - e essa pauta cada um tem - mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar como é que, sozinho, por si , alguém ia poder encontrar e saber?
Guimarães Rosa
“O aluno é uma parte do Eu do professor.
Por isso há tanta dedicação aos estudantes e
dá-se tanta importância ao que pensam e fazem.”
Essa foi uma resposta que ouvi em uma conversa que tive há pouco tempo onde expressei minha admiração a respeito do processo de escrita de uma tese na UC Berkeley. São 7 anos de estudos e 5 professores para um aluno. Eu disse CINCO PROFESSORES PARA CADA ALUNO: um orientador mais quatro outros cujo papel é manter o diálogo e dar feedbacks periódicos à escrita do aluno durante todo o período. Isso sem contar as chamadas “Office hours” efetivamente realizadas, durante as quais você vai encontrar o professor – não somente aquele com o qual você tem firmado um compromisso – disposto a discutir com você tudo o que for necessário. No Brasil, salvo algumas exceções, ficamos contentes quando temos a sorte de membros da banca lerem um trabalho escrito em 4 anos de solidão (e não querer destruí-lo como quem tenta reconstruir a si próprio frente à ameaça de alguém que ousa pensar sozinho).
Que fique claro: nesse panorama, considero-me uma pessoa de sorte. Nunca tive problemas com orientadores e as bancas em que fui avaliada foram compostas por professores com dignidade, sensibilidade, respeito, senso crítico e autocrítico. Quando entrei no mestrado, cedo comecei a assistir as bancas que aconteciam por ali. Não podia ver uma banca anunciada no mural da pós e lá me metia eu, a tentar aprender com os erros dos outros – ao menos era esse meu objetivo inicial. Depois de alguns anos vejo regularidades nos discursos, identifico honestidade e indiferença, assim como expressões egóicas das mais sutis. Não, não me tornei uma expert no assunto e, quando é o meu trabalho que está em jogo, a visão turva - inevitavelmente.
Por isso, penso que seja tão importante encontrar pessoas honestas e intelectualmente generosas para dialogar. Mas, eu pensava que isso era possível mesmo apenas no momento da banca, com o trabalho “pronto”. E, humanamente, invejei. Existe certo discurso, segundo o qual o trabalho é exclusivamente seu, e nele se justifica a não intervenção de outrem, quem quer se seja. Existe outro ainda que diz que o nível de intervenção deve diminuir progressivamente da iniciação científica ao doutorado – afinal você deve se tornar um pesquisador emancipado! Mas, cá entre nós, que trabalho, dissertação ou tese é escrita sozinha? Qual é mesmo o ofício do professor? A quem estamos tentando enganar? Muitos não gostam de conversar sobre o trabalho de alunos que não são seus “orientandos”, afinal, diz-se que o “verdadeiro” orientador pode não gostar dos questionamentos – trata-se de uma disputa narcísica que ocorre em detrimento do avanço seja do aluno, seja do conhecimento. Mas, se o aluno deve ser independente, a ele não deveria ser facultado dialogar com quem ele quiser?
Hoje, relendo e “aparando” os primeiros capítulos do que deve ser minha futura tese, me senti dialogando com os mortos. E, já não sei se sei dialogar com os “vivos” – ao menos os assim considerados a partir de um ponto de vista biológico. Manter esse diálogo sempre foi minha intenção ao participar dos chamados eventos científicos – uma alternativa, talvez até inconsciente, para tornar o caminhar menos solitário. Mas, hoje em dia, quem é que vai a esses eventos para ouvir críticas sobre o próprio trabalho? Vejo muito mais a reprodução do que um dia foi crítica, mas que se transforma no oposto quando apenas papagaiado.
O que podemos fazer para mudar essa situação? Agradeço aos amigos que, independente de qualquer relação acadêmica, mantêm esse diálogo mesmo "virtualmente", via facebook e msn.