sábado, 2 de abril de 2011

A luta pela Liberdade e o Sonho Americano...


"... Encontrei meu contato ainda na Eritréia, conversamos um pouco e iniciamos a viagem com destino aos Estados Unidos, onde encontrei parte de minha família e estou buscando uma vida melhor, tentando alcançar o famoso "American Dream". Iniciamos a viagem da Eritréia rumo ao Sudão, foram alguns dias de viagem a pé até chegarmos ao aeroporto, onde eu pude pegar meu passaporte falso e seguir viagem. Caminhamos alguns dias e milhares de quilômetros, mas concluimos o primeiros estágio dessa viagem. Peguei meus documentos, minhas passagens e segui viagem rumo a Dubai. Em Dubai segui para Moscou, de Moscou fui para Cuba e então cheguei no Equador. Os dias foram  passando, e fui chegando cada vez mais perto de alcançar meu objetivo e chegar nos Estados Unidos. Encontrei um novo contato no Equador e juntos com outros imigrantes reiniciei a minha viagem. Do Equador à Colômbia parte fizemos de carro e parte a pé, mas na Colômbia tive os maiores desafios, foram 6 dias dentro de selva fechada, com chuva, andando na beira do rio. Não era possível ver o céu, já que as árvores eram enormes e cobriam tudo, escutávamos a chuva apertar e tínhamos que sair da beira do rio, pois ele enchia e poderia nos arrastar. Foram seis intermináveis dias, da Colômbia ao Panamá, mas conseguimos concluir mais uma etapa da viagem. Seguimos do Panamá para a Costa Rica, depois para Nicarágua, então para Honduras, depois Guatemala e então México, meu último destino antes dos Estados Unidos. Do Panamá ao México viajamos de carro e a pé. No México encontrei meu último contato e seguimos a pé para atravessar a fronteira e nos entregar à polícia americana. Após ser preso, e encaminhado para uma delegacia próximo a Houston, solicitei asilo político e agora aguardo o processo ser concluído..."

Esse relato é de um colega de classe, que veio da Eritréia no ano passado. Essa viagem demorou pouco mais de um mês e ele gastou cerca de 25 mil dólares para chegar até aqui. Dava para escrever um livro contanto com detalhes a viagem dele, mas não é só ele que faz isso, existem milhares. Na Bay Area, região em que moramos, existem muitas pessoas da Etiópia e da Eritréia, e a maioria fez isso para chegar aqui. Todos contam que abandonaram seu país para fugir das guerras e dos ditadores. O Brasil muitas vezes está incluso no itinerário dessa viagem, dizem eles que é melhor descer no Rio do que em São Paulo, pois a fiscalização é mais tranquila. Alguns chegam a ser presos, conheço um que ficou 40 dias preso em Honduras, junto com outras 2 pessoas que estavam com ele fazendo essa viagem. Cada um deles tem uma história diferente, cheia de detalhes, de aventuras, de medos e com problemas, mas todos afirmam que valeu a pena, que fariam tudo de novo para abandonar o país em que viviam e viver aqui. A maioria ainda tem processos na justiça americana, para pegar o green card e ter todos os direitos e deveres aqui. Quantas pessoas devem morrer nesse caminho? 

Hoje em dia, a discussão da moda está entre Egito e Líbia. Movimentos sociais surgem para nos lembrar que a democracia não é algo estabelecido, que ainda não se faz como um direito global. É fato que no continente Africano as ditaduras, as guerrilhas e guerras civis, a fome, as diferenças sociais são gritantes. Trata-se do exemplo contemporâneo daquilo que é a antítese da democracia. Mas, o que é, então, a democracia? Reconheço que não é exatamente o que temos, seja nos EUA, seja no Brasil. Uma democracia plena exige pessoas com autonomia, pessoas com consciência de suas determinações e de suas escolhas - mas, ainda hoje, escolhemos nossos representantes como quem escolhe a marca de um sabonete...

As pessoas que vêm para cá, na mesma situação descrita, têm consciência de que é preferível viver em um lugar em que ao menos se tem a impressão de que se é livre, à conviver com o terror, a opressão diretamente sobre a carne e a realidade de ser propriedade de um país. Elas sabiam que tudo poderia acontecer no meio do caminho, mas estavam dispostas a qualquer coisa para ter ao menos uma chance de conseguir essa tal "liberdade". Eu que nasci já no final da ditadura no Brasil, nunca soube o que é precisar lutar, ou mesmo arriscar a vida, pelo próprio direito de viver. A liberdade, para mim, sempre foi um direito inalienável - ainda que limitado pela conta bancária... para ir e vir, morar, comer, vestir, "ser" é preciso pagar e para pagar é preciso dinheiro, dinheiro conseguido com a venda das minhas horas de vida, vida que se vai todo dia um pouco. 

Somos livres? Talvez seremos no dia em que começarmos a escrever a nossa própria história. Mas, o quanto estamos dispostos a arriscar para sermos mais livres do que somos?

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