quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Pensando o Occupy...


Esse é mais um texto que nasce de uma pergunta. A Fer Pezzato me pediu pra contar um pouco sobre o que tenho visto aqui em Berkeley a respeito do movimento Occupy. Atenta à enxurrada de fotos, vídeos e textos que tenho compartilhado no facebook sobre o assunto, ela achou que eu devia ter alguma coisa a dizer... a verdade é que eu vejo aqueles vídeos e leio os textos no esforço (enorme) de compreender alguma coisa. Mais esforço ainda fiz para escrever esse texto, que foi um bom exercício pra tentar organizar um pouco minhas idéias. Ressalto que ele é ainda incompleto e parte desse processo. Aqui vai...

Eu nunca participei de movimentos sociais. Nem durante minha graduação cheguei perto do movimento estudantil. Participei sim de todas as assembleias que consegui, porque achava importante ao menos ouvir e tentar entender. Meu problema era esse, eu nunca me senti a vontade em reproduzir um discurso que eu não entendia – talvez porque batia de frente com toda a ideologia do selfmade man que ouvia em casa. Me lembro de ter participado de uma única “passeata” dentro da Unesp, no meu primeiro ano, porque passaram na minha sala e levaram todo mundo. Como sempre, eu não entendi direito o que estava acontecendo, mas ouvi uma frase da qual lembro claramente. Conversando com alguns calouros, um veterano disse: “apenas isso não basta, é preciso ter o conceito nas mãos”.


Sproul Hall
Não é necessário dizer que estou procurando esse tal conceito até agora, é? Mas o maldito me escapa, toda vez que penso, iludida, que consegui agarrá-lo!  Esse ano, um novo desafio: tentar entender esses movimentos sociais todos que “resolveram” eclodir bem nesse ano que estou, digamos, “longe de casa”. Olha só, que nostálgico: eu estou em Berkeley, exatamente na cidade onde nasceu o “free speech movement” dos anos 1960, assistindo o que parece ser o seu “retorno”. Ontem mesmo eu conversava com uma senhora que se mudou para Berkeley em 1964. Ela me dizia: “Eu olho para o Sproul Hall como ele está agora, cheio de alunos se manifestando, e me vem à memória os discursos que eu vi ocorrer exatamente aqui no ano que me mudei. Parece que sua semente permaneceu na história e resolveu brotar esse ano novamente.”. É verdade, esse clima de nostalgia, de reviver o passado, toma conta dos discursos de muitos daqueles que vão lá, nas escadarias do Sproul Hall, falar à multidão de estudantes – que nessa terça-feira somou mais de mil. Em assembléia, votaram por ocupar a Universidade. Montaram barracas – as mesmas que semana passada foram retiradas pelos policiais que os agrediram de forma covarde. Mas, dessa vez, eles “apenas” aconselharam: “o que vocês estão fazendo é proibido”. Fico pensando, como implodir um sistema falido a partir de suas próprias regras circulares que trabalham pela sua manutenção? Talvez seja esse mesmo o espírito revolucionário que, ousando ir além do estabelecido, consegue – talvez, quem sabe? – modificar alguma coisa.


Assembleia na terça-feira que decidiu pela ocupação
O que esses estudantes querem? Em primeiro lugar, eles querem o fim da taxa de matrícula desta Universidade que é pública, mas não gratuita. Um estudante da Berkeley termina sua graduação com uma dívida média de 25 mil dólares. A essa altura, você pensa: bom, eles estão apenas pensando em si mesmos! Agora, faça as contas: são mais de 35 mil alunos. Essa reivindicação – que não sabemos onde dará – não é fruto de uma ação egoísta e individualista. Cortar a taxa de matrícula significa reestruturar o sistema universitário, aumentar o investimento do governo na educação pública, abrir a universidade a outras parcelas da população. Significa, em alguma medida, mudança na esfera social. Significa redistribuição de renda, remanejamento do dinheiro público (ao invés ajudar os bancos ou investir em guerras, que tal educação?), saindo das mãos do 1% e passando para os 99%. Por isso, os estudantes se identificam com os movimentos de ocupação que tomaram conta não apenas dos Estados Unidos. O sistema não vai mudar sozinho. Quem é que vai ter a coragem de dar a cara à tapa?


Em relação aos movimentos de massa de modo geral, vejo uma diferença. Os manifestantes do Occupy querem discutir ideias. É claro que há contradições. É óbvio que não podemos generalizar. Como disse, proliferam discursos apaixonados e para esses, seguidores também não faltam. Mas uma moça fez um pedido ao microfone e falou aos intelectuais de plantão: “não queiram adotar esse movimento e nos representar, estamos construindo com muita dificuldade, queremos conversar, mas pensar com nossas próprias cabeças, ter autonomia”. O quanto esses movimentos vão modificar o mundo em que vivemos é uma questão em aberto. Se eles avançarem na direção dessa reflexão conjunta, da tomada de consciência de parcelas cada vez maiores da população, na construção efetiva daquela autonomia, já terão cumprido um grande papel. 


PS. 1 - As barracas foram retiradas do Sproul Plaza pelos policiais na última madrugada. Mas o movimento continua.
PS. 2 – A classe média americana tem ideias similares à brasileira e acha que os estudantes têm que parar de protestar e estudar para, como eles, tentar fazer parte do 1%.

3 comentários:

Fezinha disse...

Obrigada, Deborah! Saciou um pouco da minha curiosidade. Estou lendo e vendo daqui algumas notícias (como a da ocupação de Wall Street)... mas sem saber o que acontece e o que a mídia retrata.Realmente esta questão da dívida estudantil parece preocupante socialmente... já ouvi falar de uma nova bolha - agora a da dívida estudantil - já que muitos dos estudantes que se formam não conseguem empregos com remuneração suficiente para pagar sua dívida da faculdade. Apesar da sua menção à classe média americana... que pena... acho que caí no achismo de que os americanos são mais espertos..rs!E como os jornais noticiam a ocupação aí? Bjos

Deborah disse...

Fer, o único jornal que tenho acompanhado é o Daily Californian (http://www.dailycal.org/), que é um jornal da Berkeley. Além dele, procuro apenas fontes alternativas. Não assisto tv... Bjs.

Anônimo disse...

Deborah, seu texto me fez ver as coisas por um ângulo diferente. Assim como você, também não assisto TV, mas acabo me perdendo em algumas coisas e em pensamentos como: "o que eu tenho a ver com isso?" , "ah, deixa pra lá. Esses movimentos estão longe de mim..."
O que li, me fez parar e pensar além: "Será que não tenho mesmo??"
Bem, vou ficar digerindo esta pergunta por algum tempo...
Bjs