quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Uma pergunta pela manhã


Hoje pela manhã, antes de começar a trabalhar no meu relatório (sim, confesso que faço isso sempre!) entrei no facebook e encontrei uma pergunta do meu amigo Alessandro, da UFSCar, que reproduzo aqui: 

Deborah, gostaria de lhe fazer uma pergunta. Faz meses que você está aí. Eu devo confessar que tenho uma imagem bastante negativa do povo americano...os cristalizei em clichês que amalgamam imperialismo, puritanismo, racismo, superficialidade etc. Também não posso negar o fascínio que exercem, sobretudo em relação ao cinema e a televisão. Sou fã de House e, como sabe, de Star Wars. Poderia dizer como você imaginava essas pessoas e como os vê agora?”

Achei muito interessante essa pergunta, porque é algo em que tenho pensado com  frequência... Inclusive porque certo preconceito até se volta contra mim, já que, afinal de contas, eu escolhi fazer meu sanduíche nos EUA e não na Europa, pra onde vai a maioria do pessoal de humanas. Talvez eu não seja tão “vintage”. Há quem desconfie das minhas “reais intenções marxistas” (o que quer que isso signifique), confundindo um estágio de pesquisa com escolha pelo imperialismo e não pelo estado de bem-estar social (a-ham).

Tentei responder sucintamente pelo facebook, mas não consegui! E saiu esse texto aqui.

Bom, mas preconceito – ou visão parcial, estreita etc – é algo que me interessa, é algo que eu estudo e é algo em que eu estou, todo o tempo, prestando muita atenção. Especialmente em mim. E tento fazer algo na direção oposta ao primeiro impulso que vem dessa coisa que corrói a nossa alma, quer sejamos intelectuais ou não. Não inventaram imunidade para essa “doença” que é o ser “normal” do nosso tempo.  

Mas, a pergunta é como eu via o povo americano antes de vir pra cá e se minha visão mudou, certo? Meu sentimento em relação aos EUA (como país) também era esse de repulsa e fascinação (se é que ainda não é...). E, invariavelmente, esse é o sentimento do dominado. Aprendemos no discurso universitário que esse é o país dos vermes imperialistas e imorais. Aprendemos pela TV, contudo, a admirar e até invejar esses “vermes”. Você sabe qual é o problema, no meu ponto de vista, sobre essa visão? É o julgamento moral de um povo inteiro baseado numa visão econômica. De uma economia, aliás, que não são eles que dominam, mas que chegou num estágio que os domina material e psicologicamente (como faz também com a gente).

A convivência com alguns americanos me fez experienciar o que racionalmente eu já sabia. Eles são pessoas (olha que conclusão genial!) como quaisquer outras. E você vai encontrar gente bacana e gente nem tão legal assim. E você também vai perceber que a gente bacana também tem suas contradições, assim como quem não é tão legal assim (contradições que, no fim, passam até a serem certa virtude).  Passei por essa experiência também quando fui pra Alemanha (meu inconsciente ridículo me dizia que eram todos mini-Hitlers). Eu tenho tido a sorte de cruzar com aqueles que têm facilitado muito a minha vida.  Isso não quer dizer que, culturalmente, não haja diferença. Existem diferenças sim no modo de pensar, de se expressar etc. Mas, sinceramente, não há nada que os faça (ou que nos faça) superiores ou inferiores. E eu tenho aprendido um bocadinho nessa diferença, porque ela também tem me ajudado a ver quem sou.  E nem sempre eu gosto.

3 comentários:

Caroline Cunha disse...

Interessantíssimos: a pergunta e a sua resposta Deh!
;D
bjs

Alessandro Eleutério de Oliveira disse...

Em 11 de setembro de 2001, uma grande amiga minha, Janaína, encontrava-se em uma manifestação em Santiago do Chile. Era mais um aniversário do golpe militar que resultou em um das ditaduras mais sangrentas da América Latina e destruiu o sonho socialista (lembrando que Allende havia sido eleito democraticamente por seu povo), orquestrado pelas elites locais com a amparo de Washington. Ela me disse que em meio aos discursos e palavras de ordem, subitamente a multidão foi informada pelos carros de som de que uma das torres gêmeas havia sido atingida em Nova York. A multidão entrou em êxtase, que apenas aumentou quando nova notícia chegou, de que a segunda torre também fora atacada. Creio que todos lembramos onde estávamos e o que fazíamos no "dia em que a terra parou". Eu estava dormindo na moradia estudantil da Unesp fui acordado pelo Edilson, que me deu a inacreditável novidade. Quantas pessoas ao redor do mundo, a despeito da morte de pessoas comuns ( e não de terríveis militares do Pentágono), não disseram em voz alta (ou em pensamento) "bem feito" ou "colheram o que plantaram"? Até hoje sinto um misto de repulsa e indignação quando penso nesse país. Assisto seus filmes, seus seriados, escuto vários de seus cantores...mas quando penso em todos os abusos e absurdos realizados por esse povo, não consigo deixar de pensar que, se de certa forma o capitalismo perpetua de um modo incomensuravelmente transcendental a lei da Selva de acordo com os ditames da maximização voraz e insaciável do lucro (eu sei que esse trecho está terrivelmente panfletário), os americanos seriam os predadores supremos. Mas em que medida não cometo, por minha vez, uma grande injustiça em relação a um povo que confundo com suas elites e governantes? Essas pessoas que assistem CNN e a FOX? Esse americano médio que acha que os terroristas fazem o que fazem por serem fanáticos malvados e invejosos? Ou que as tropas estão no Iraque para levar a democracia ao país e não por Petróleo? E aqui? E a nossa classe média que defende pena de morte e redução da maioridade penal, e que quem mora em uma favela está lá porque "não correu atrás"...não se fez, não seguiu o exemplo dado pelo self-made man do grande pais do norte? De qualquer forma, essas últimas observações que fiz estão alicerçadas em clichês...generalizações...e sabemos como generalizações são perigosas e ainda elas podem levar...aonde os preconceitos podem levar...como você bem colocou...há americanos e americanos...como há brasileiros e brasileiros...e há algo muito maior, a lógica mercantil que (des)orienta nossas vidas, o bombardeio midiático que nos diz como olhar, falar, pensar e até amar...de qualquer modo, embora minhas considerações sobre suas considerações estejam mais próximas de devaneios, não posso deixar de pensar como uma experiência como a sua(de estar imersa no "Estado do Kapital em si" como diz Mészáros) deve ser fantástica, sobretudo em meio a esse crise...

Deborah disse...

Olá Alessandro,
Eu li seu texto no sábado, quando vc postou, mas fiquei sem fôlego num primeiro momento pra te responder. Sua narrativa me lembrou um documentário do 11 de setembro (http://www.youtube.com/watch?v=7vrSq4cievs&feature=player_embedded). Sabe Alessandro, posso parecer piegas, mas falta solidariedade entre os povos. Nós continuamos com o velho hábito do ressentido que projeta suas frustrações não no causador real, mas em quem é tão ou mais fraco que si mesmo. Não acho que seja algo fácil de se mudar, mas acho que sim é essencial ficar atento a esses comportamentos e sentimentos em nós mesmos. Por outro lado eu fico triste, muito triste em ver como somos tão facilmente manipulados pela mídia. Sempre fui crítica em relação a ela, mas esse ano aqui me deu o distanciamento necessário para cair na realidade e ver como tudo que nos é mostrado na TV não passa de manipulação barata. Precisamos desesperadamente aprender a buscar nossas próprias fontes e a analisá-las, discuti-las. Precisamos ser céticos sobre nós mesmos. Bjoks!