sábado, 30 de julho de 2011

Standstill


Sempre sei, realmente. Só o que eu quis, todo o tempo, o que eu pelejei para achar, era uma coisa só - a inteira - Cujo significado e vislumbrado dela eu vejo que sempre tive. Uma era que: que existe uma receita, a norma dum caminho certo, estreito, de cada uma pessoa viver - e essa pauta cada um tem - mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar como é que, sozinho, por si , alguém ia poder encontrar e saber? 
Guimarães Rosa




“O aluno é uma parte do Eu do professor.
Por isso há tanta dedicação aos estudantes e
dá-se tanta importância ao que pensam e fazem.”

Essa foi uma resposta que ouvi em uma conversa que tive há pouco tempo onde expressei minha admiração a respeito do processo de escrita de uma tese na UC Berkeley. São 7 anos de estudos e 5 professores para um aluno. Eu disse CINCO PROFESSORES PARA CADA ALUNO: um orientador mais quatro outros cujo papel é manter o diálogo e dar feedbacks periódicos à escrita do aluno durante todo o período. Isso sem contar as chamadas “Office hours” efetivamente realizadas, durante as quais você vai encontrar o professor – não somente aquele com o qual você tem firmado um compromisso – disposto a discutir com você tudo o que for necessário. No Brasil, salvo algumas exceções, ficamos contentes quando temos a sorte de membros da banca lerem um trabalho escrito em 4 anos de solidão (e não querer destruí-lo como quem tenta reconstruir a si próprio frente à ameaça de alguém que ousa pensar sozinho). 

Que fique claro: nesse panorama, considero-me uma pessoa de sorte. Nunca tive problemas com orientadores e as bancas em que fui avaliada foram compostas por professores com dignidade, sensibilidade, respeito, senso crítico e autocrítico. Quando entrei no mestrado, cedo comecei a assistir as bancas que aconteciam por ali. Não podia ver uma banca anunciada no mural da pós e lá me metia eu, a tentar aprender com os erros dos outros – ao menos era esse meu objetivo inicial.  Depois de alguns anos vejo regularidades nos discursos, identifico honestidade e indiferença, assim como expressões egóicas das mais sutis.  Não, não me tornei uma expert no assunto e, quando é o meu trabalho que está em jogo, a visão turva - inevitavelmente.  

Por isso, penso que seja tão importante encontrar pessoas honestas e intelectualmente generosas para dialogar. Mas, eu pensava que isso era possível mesmo apenas no momento da banca, com o trabalho “pronto”. E, humanamente, invejei. Existe certo discurso, segundo o qual o trabalho é exclusivamente seu, e nele se justifica a não intervenção de outrem, quem quer se seja. Existe outro ainda que diz que o nível de intervenção deve diminuir progressivamente da iniciação científica ao doutorado – afinal você deve se tornar um pesquisador emancipado! Mas, cá entre nós, que trabalho, dissertação ou tese é escrita sozinha? Qual é mesmo o ofício do professor? A quem estamos tentando enganar? Muitos não gostam de conversar sobre o trabalho de alunos que não são seus “orientandos”, afinal, diz-se que o “verdadeiro” orientador pode não gostar dos questionamentos – trata-se de uma disputa narcísica que ocorre em detrimento do avanço seja do aluno, seja do conhecimento. Mas, se o aluno deve ser independente, a ele não deveria ser facultado dialogar com quem ele quiser? 

Hoje, relendo e “aparando” os primeiros capítulos do que deve ser minha futura tese, me senti dialogando com os mortos. E, já não sei se sei dialogar com os “vivos” – ao menos os assim considerados a partir de um ponto de vista biológico. Manter esse diálogo sempre foi minha intenção ao participar dos chamados eventos científicos – uma alternativa, talvez até inconsciente, para tornar o caminhar menos solitário. Mas, hoje em dia, quem é que vai a esses eventos para ouvir críticas sobre o próprio trabalho? Vejo muito mais a reprodução do que um dia foi crítica, mas que se transforma no oposto quando apenas papagaiado. 

O que podemos fazer para mudar essa situação? Agradeço aos amigos que, independente de qualquer relação acadêmica, mantêm esse diálogo mesmo "virtualmente", via facebook e msn.

Um comentário:

Merilin Baldan disse...

Oi Deborah. Sem dúvida uma das grandes diferenças para a formação, não apenas no acompanhamento do processo de elaboração da tese/dissertação, mas principalmente, como pensam o aluno (representação). A resposta do professor que você também coloca em desta que me fez pensar se um dia teríamos uma resposta dessa por aqui. Mas, como disse, só estamos salvos por algumas experiências boas no meio de tanta confusão (de egos) que são os laços e experiências como os grupos que às vezes funcionam nesse esquema de troca e de formação que valem a pena. Excelente texto e reflexão!

Beijos