quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

The Man In The Books



Desde meus anos iniciais na escola escuto dizer que há uma grande diferença entre a nossa educação no Brasil e a educação nos chamados países de primeiro mundo. Não me lembro ao certo quem me contou essa experiência. Na verdade, me parece que foi contada por mais de uma pessoa. A história é mais ou menos a seguinte: fulano foi estudar fora e se esforçou ao máximo para dar conta de toda a leitura para a aula da disciplina que estava cursando. Foi um comportamento diferente do que estava acostumado (já que no Brasil, quem é mesmo que faz as devidas leituras antes das aulas?). Quando chegou para a aula a realização de tantas leituras não se mostrou apenas natural entre os “nativos”, como os alunos, em geral, aparentaram ter realizado muitas outras complementares. Detalhe: como aluna essa história sempre apareceu como uma crítica aos estudantes em sala de aula.

Tendo em vista meu “conhecimento prévio” da situação, não foi uma grande surpresa encontrar exatamente esse setting nas aulas que tenho assistido. Há, por outro lado, uma característica muito peculiar nessas aulas que me deixou admirada: elas são, no mais íntimo sentido da palavra, construídas coletivamente. Nada parecido com o que vivi em qualquer sala de aula durante os meus 24 anos de bancos escolares. O mais próximo disso seria o que conheço como brainstorming, mas com a consciência reflexiva como principal característica – o que talvez contradiga a base da técnica admirada pelos publicitários.

Imaginem um lugar em que alunos e professor se envolvam em uma postura de questionamento recíproco até o ponto em que o pensamento se emancipa e pronto: a aula está construída. É claro que isso não é possível em salas lotadas, mas em reuniões que aqui eles chamam de seminários. Também não é possível com leituras inacabadas (ou não iniciadas), com falta de livros, com a falta da cultura de possuir livros. Outro fato me intrigou: absolutamente todos os alunos estavam com os livros em posse. Digo, os livros de verdade. Não cópias ou coisas do tipo. Embora Berkeley tenha uma loja de cópias praticamente em cada esquina, embora as cópias sejam relativamente baratas (cerca de 3 cents por folha), as pessoas simplesmente compram todos os livros utilizados em todas as disciplinas. E os lêem.

Além do próprio hábito da leitura, há mais duas questões – de ordem econômica – a considerar:
1. Livros aqui custam, no mínimo, a metade do que no Brasil;
2. O salário mínimo aqui é de USD 1.256,66.

Ou seja, proporcionalmente, há aqui muito mais condições para o desenvolvimento não apenas do “hábito” da leitura, mas da valorização do que ela é capaz de fazer com você – ao menos no ambiente acadêmico. Se devo me adaptar, que seja no que há de melhor a se espelhar. Se é para consumir, que sejam livros! Os meus chegam segunda...

“Livros não mudam o mundo,
quem muda o mundo são as pessoas.
Os livros só mudam as pessoas.”
Mário Quintana


PS: A foto do início da postagem é de uma escultura de Andre Martins de Barros, chamada "The Man In The Books". Foi retirada do site: http://www.foundshit.com/books-man-sculpture/

3 comentários:

Unknown disse...

Concordo com tudo o que você disse...faz todo o sentido, tenho me esforçado bastante p/ ter um postura diferente e acredito que a faculdade de Psicologia não me pede menos que isso...afinal são tantas coisas p/ ler e se aprofundar.
Deborah, suas palavras me inspiram a ir além!

Elaine Gisele

Telma disse...

me lembro que só consegui comprar boa parte dos livros da graduação anos depois de formada... triste isso. :/

besos

Téu

Deborah disse...

É meninas, me lembro de ter comprado apenas uns 5 ou 6 livros durante toda a graduação - alguns não utilizados em disciplinas mas indicados durante alguma aula. O resto do material foi xerox.
Já é uma prática "natural" a existência de pastas no xerox de cada disciplina, ao invés da indicação de livros em si. Fico pensando se isso não colabora pra nossa impressão de que o conhecimento é descartável... acho que precisamos pensar um pouco mais sobre isso...